TCE-PR recebe representação, multa e condena a ex-prefeita de Manoel Ribas por suposta promoção pessoal

 TCE-PR recebe representação, multa e condena a ex-prefeita de Manoel Ribas por suposta promoção pessoal

Prédio da Prefeitura Municipal de Manoel Ribas/PR

PROCESSO: Nº 802930/15

ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO DO OUVIDOR

ENTIDADE: MUNICÍPIO DE MANOEL RIBAS

INTERESSADO: ELIZABETH STIPP CAMILO, JOSE CARLOS DA SILVA CORONA, TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ ADVOGADO / PROCURADOR-VALDINEI JESOEL DA CRUZ

RELATOR: CONSELHEIRO IVAN LELIS BONILHA ACÓRDÃO Nº 1045/22 – TRIBUNAL PLENO

Representação do Ouvidor. Promoção pessoal. Violação ao artigo 37, §1º, da Constituição Federal. Princípios da impessoalidade e da moralidade. Procedência, aplicação de multa e restituição de valores.

1 RELATÓRIO

Trata-se de Representação do Ouvidor instaurada para apurar fatos relatados no Atendimento n.º 510/2015 da Ouvidoria de Contas, que denunciou suposta irregularidade cometida pela então prefeita do Município de Manoel Ribas, Sra. Elizabeth Stipp Camilo, que teria empregado a logomarca e o slogan indicativos de sua gestão (2013 a 2016) em veículos e edifícios públicos.

Segundo narrado, a prefeita municipal desenvolveu logomarca (símbolo formado por uma pessoa de braços abertos, na cor vermelha, segurando duas faixas longas, nas cores verde e azul, sob as quais se encontram cinco pessoas alinhadas, nas cores azul escuro, verde, rosa, vermelho e azul claro) e um slogan (“Olhar para frente, olhar por todos”) para sua gestão, os quais estariam sendo utilizados de forma indevida em veículos públicos (fotos acostadas às peças 06 e 08).

Pelo Despacho n.º 1920/15-GCG (peça 11), o então Corregedor-Geral recebeu a Representação, destacando que “a utilização de logomarca em veículos públicos pela Prefeita Municipal de Manoel Ribas pode ter resultado em possível promoção pessoal.

Assim, nessa análise preliminar, verifica-se provável afronta ao art. 37, §1º da Constituição Federal, ao art. 18, incisos VII e IX da Lei Orgânica Municipal e ao princípio da impessoalidade.”. Por conseguinte, foram citados o Município de Manoel Ribas e a Sra. Elizabeth Stipp Camilo (então prefeita municipal).

Os esclarecimentos foram juntados às peças 19/20. Pela Instrução n.º 4066/21 (peça 24), a Coordenadoria de Gestão Municipal opinou “pela intimação do Município de Manoel Ribas, para que comunique se a irregularidade constatada nos autos já foi corrigida e, em caso positivo, em qual data, bem como para que informe o montante despendido para a prática das irregularidades acima descritas, trazendo ao processo documentos comprobatórios das informações prestadas”, sendo acompanhada pelo órgão ministerial (Parecer n.º 834/21, peça 25).

Acolhendo o opinativo técnico, determinei a intimação do Município de Manoel Ribas (Despacho n.º 1479/21, peça 26), o qual se manifestou às peças 30/31.

Em instrução conclusiva (n.º 347/22, peça 32), a unidade técnica opinou pela procedência da demanda, “considerando a irregularidade na utilização de símbolo e slogan indicativos da gestão da então Prefeita do Município de Manoel Ribas, Sra. Elizabeth Stipp Camilo, em veículos públicos e no sítio eletrônico municipal”. Ainda, sugeriu a “aplicação, à então gestora municipal, das multas constantes do art. 87, inciso IV, alínea “g”, e do art. 89, § 1º, inciso I, ambos da Lei Complementar n.º 113, de 2005, bem como a obrigação de ressarcimento ao erário”.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas também se manifestou pela procedência da Representação, contudo, sobre o ressarcimento, assim concluiu (Parecer n.º 115/22, peça 33).

Ante o exposto, este Ministério Público de Contas não se opõe ao julgamento da procedência da presente Representação, conforme proposto pela unidade técnica.

Ressalva-se, contudo, que a liquidação da decisão, na parte em que impõe o ressarcimento de valores, deverá atribuir à atual gestão municipal identificar os valores dispendidos (pintura antiga), por meio da instauração de Tomada de Contas Especial. No que tange à obrigação de fazer (pintura nova), tratando-se de bens municipais, caberá a administração cotar os valores necessários e oportunizar à parte depositar em conta do Município o valor correspondente, no prazo de 30 dias, sob pena do ente federativo municipal realizar os atos necessários e buscar o oportuno ressarcimento, também por via de instauração de Tomada de Contas Especial, cujo resultado deverá ser oportunamente comunicado a essa Corte. É o relatório.

2 FUNDAMENTAÇÃO E VOTO

Preliminarmente, sobre a aventada inconstitucionalidade da Representação em decorrência de denúncia anônima, verifico que a insurgência não procede.

Segundo se verifica das peças 03 e 11, o expediente foi recebido como Representação do Ouvidor, em virtude de denúncia realizada junto à Ouvidoria de Contas desta Corte, com fundamento nos artigos 30, 35, inciso II, e 125, inciso V, da Lei Complementar Estadual n.º 113/2005, bem como no artigo 278, II, do Regimento Interno[1] – conforme redação à época.

Além disso, como bem fundamentou a CGM: Inicialmente, cumpre observar que descabe falar em inconstitucionalidade da presente Representação, devendo-se esclarecer que a Ouvidoria de Contas atua promovendo a coparticipação da sociedade no controle da Administração Pública, recebendo manifestações que poderão ou não ser transformadas em processos no Tribunal de Contas, a depender das informações obtidas por esta Corte.

Destarte, os fatos relatados à Ouvidoria são tratados como procedimentos, e não como processos formais, os quais, por sua vez, devem ser dirigidos ao Presidente do Tribunal de Contas e exigem identificação. Corroborando o exposto, dispõe o art. 276, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal, que: (…) § 2º As denúncias anônimas serão registradas pela Ouvidoria e encaminhadas à Coordenadoria-Geral de Fiscalização ou à Inspetoria de Controle Externo competente.

Deve se ressaltar, ademais, que, embora não constem elementos de informação que permitam a qualificação e identificação do noticiante, a Representação está suficientemente instruída com documentos que indicam a prática da irregularidade imputada à Prefeita. Assim, rejeito a questão preliminar. No mérito, assiste razão à unidade técnica e ao órgão ministerial quanto à procedência da demanda, senão vejamos.

Os presentes autos visam apurar suposta irregularidade consistente na promoção pessoal da ex-prefeita do Município de Manoel Ribas, Sra. Elizabeth Stipp Camilo, que teria utilizado logomarca e slogan de sua gestão em veículos e edifícios públicos. Constam da peça inicial da Ouvidoria de Contas as seguintes informações acerca da logomarca e do slogan utilizados:

Na página inicial do sítio eletrônico http://www.manoelribas.pr.gov.br/ (acessado na data de hoje) verifica-se uma logomarca formada pelo que parece simbolizar cinco pessoas, cada uma de uma cor (azul escuro, verde, rosa, vermelho e azul claro) protegidas por duas faixas nas cores azul escuro e verde, estendidas por o que parece ser uma pessoa de braços abertos na cor vermelha. Também nesta cor, a escrita “Prefeitura Municipal de Manoel Ribas” seguida, num fundo verde, escrito em branco, o slogan “Olhar para frente, olhar por todos”. E abaixo, em azul escuro, “Gestão 2013-2016”.

Na foto do ônibus, tanto a encaminhada pelo cidadão, quando a apresentada pela Prefeita, a logomarca tem o mesmo símbolo do que também parece representar uma pessoa de braços abertos e as faixas nas cores verde e vermelha, sobre fundo branco, onde se lê “recuperado 2013/2016”.

Naquela ocasião, a então gestora reconheceu ter desenvolvido a logomarca para sua gestão, mas defendeu sua conformidade com os preceitos constitucionais.

Na defesa, ainda, a representada sustentou que as imagens não faziam menção a sua pessoa, “constituindo-se numa simples frase, desprovida de qualquer pretensão ou cunho promocional, sendo passível de ser utilizada por qualquer ente federativo.”. Inobstante os argumentos acima, observo que houve o desenvolvimento de uma comunicação visual específica para a gestão da prefeita, a qual não demonstra qualquer caráter educativo, informativo ou de orientação social, conforme permite o §1º do artigo 37 da Constituição Federal: § 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Corrobora tal conclusão a indicação da gestão da prefeita municipal nos veículos utilizados – 2013/2016 –, vinculando-os à sua imagem, em desconformidade, também, com os princípios da impessoalidade e da moralidade.

Cabe mencionar que, pelo princípio da impessoalidade, o administrador está impedido de perseguir fins pessoais ou de terceiros, haja vista que sua atuação deve, necessariamente, ter por escopo o interesse público. E, em relação ao princípio da moralidade, tem-se que o gestor público deve atuar com a noção de ética e do que é moralmente correto, bem como buscar a máxima eficiência, constituindo-se, tal princípio, como pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública.

A respeito, sustentou a Ouvidoria de Contas: Inevitável concluir-se, então, que o desenvolvimento e utilização da logomarca e slogan como apresentados, ferem o princípio da impessoalidade, na medida em que têm a finalidade de firmar a imagem do administrador e não do Município; estão em descompasso à disciplina do § 1º do art. 37 da Constituição Federal, pois não possuem cunho de promover a educação, informação ou orientação; afrontam explicitamente os incisos VII e IX do art. 18 da Lei Orgânica Municipal.

No mesmo sentido, a instrução da unidade técnica (peça 24): (…) é forçoso concluir que o emprego de logomarca e slogan próprios pretendeu enaltecer a imagem da então Prefeita, com o fim de obter favorecimento pessoal, violando o princípio da impessoalidade, bem como o disposto no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, e no art. 18, incisos VII e IX, da Lei Orgânica do Município de Manoel Ribas (…).

Ademais, acerca da vedação à promoção pessoal, o Acórdão n.º 2392/17 do Tribunal Pleno desta Corte[2]:

Entretanto, no tocante ao uso indevido de Jornal Municipal por parte do então Prefeito de Chopinzinho, Sr. Vanderlei José Crestani, salvo máxima vênia ao posicionamento defendido no opinativo ministerial, entendo que resta evidenciado e comprovado o uso indevido de informativo da Prefeitura para patrocínio pessoal, ante ao uso de logomarca de sua campanha, símbolo em formato de coração, durante o mês de maio/2006, o que atesta violação direta ao princípio da publicidade dos atos da Administração, previsto constitucionalmente entre os cinco princípios basilares da Administração Pública e expresso no Art. 37, caput da Constituição Federal.

Ainda, quando o Prefeito Municipal se utiliza de imagem que reporta diretamente a sua campanha no pleito ao cargo de Prefeito, está desrespeitando, por conseguinte, o disposto no § 1° do mesmo artigo que proíbe expressamente o uso de imagem, entre outros, que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Não se mostra legalmente permitido, tampouco ético e razoável, utilizar-se de veículo de comunicação destinado a prestar informações aos munícipes quanto aos atos realizados pela Administração Pública para, explicitamente, promover a logomarca de campanha na intenção de reportar as notícias de modo geral a benefício do atual gestor público municipal.

Nesse contexto, julgo procedente a presente Representação do Ouvidor, em razão da violação ao artigo 37, §1º, da Constituição Federal, bem como aos princípios da impessoalidade e da moralidade. Por conseguinte, cabível a aplicação da multa prevista no artigo 87, inciso IV, alínea “g”, da Lei Complementar Estadual n.º 113/2005 à Sra. Elizabeth Stipp Camilo. Ainda, determino à Sra. Elizabeth Stipp Camilo a restituição dos valores despendidos com (i) a elaboração da logomarca e a personalização dos veículos públicos, somado (ii) aos valores a serem gastos na pintura e regularização dos ônibus – diligência que deverá ser exigida da representada pelo atual gestor –, devidamente atualizados, consoante o artigo 85, inciso IV, da Lei Complementar Estadual n.º 113/2005, cujo montante deverá ser apurado em sede de liquidação da decisão.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pela procedência da presente Representação do Ouvidor, nos termos da fundamentação, para o fim de:

a) aplicar a multa prevista no artigo 87, inciso IV, alínea “g”, da Lei Complementar Estadual n.º 113/2005 à Sra. Elizabeth Stipp Camilo, em vista da violação ao artigo 37, §1º, da Constituição Federal, bem como aos princípios da impessoalidade e da moralidade; e

b) condenar a Sra. Elizabeth Stipp Camilo à recomposição do erário municipal correspondente aos valores despendidos com (i) a elaboração da logomarca e a personalização dos veículos públicos, somado (ii) aos valores a serem gastos na pintura e regularização dos ônibus – diligência que deverá ser exigida da representada pelo atual gestor –, devidamente atualizados, cujo montante deverá ser apurado em sede de liquidação da decisão.

Após o trânsito em julgado da decisão, encaminhem-se os autos à Coordenadoria de Monitoramento e Execuções, para a adoção das providências cabíveis. VISTOS, relatados e discutidos,

ACORDAM

OS MEMBROS DO TRIBUNAL PLENO do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ, nos termos do voto do Relator, Conselheiro IVAN LELIS BONILHA, por unanimidade, em:

I- Conhecer e julgar procedente a presente Representação do Ouvidor, nos termos da fundamentação, para o fim de:

a) aplicar a multa prevista no artigo 87, inciso IV, alínea “g”, da Lei Complementar Estadual n.º 113/2005 à Sra. Elizabeth Stipp Camilo, em vista da violação ao artigo 37, §1º, da Constituição Federal, bem como aos princípios da impessoalidade e da moralidade;

b) condenar a Sra. Elizabeth Stipp Camilo à recomposição do erário municipal correspondente aos valores despendidos com (i) a elaboração da logomarca e a personalização dos veículos públicos, somado (ii) aos valores a serem gastos na pintura e regularização dos ônibus – diligência que deverá ser exigida da representada pelo atual gestor –, devidamente atualizados, cujo montante deverá ser apurado em sede de liquidação da decisão; e

II- encaminhar, após o trânsito em julgado da decisão, os autos à Coordenadoria de Monitoramento e Execuções, para a adoção das providências cabíveis.

Votaram, nos termos acima, os Conselheiros NESTOR BAPTISTA, ARTAGÃO DE MATTOS LEÃO, FERNANDO AUGUSTO MELLO GUIMARÃES, IVAN LELIS BONILHA e JOSE DURVAL MATTOS DO AMARAL e o Auditor TIAGO ALVAREZ PEDROSO.

Presente a Procuradora Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, VALERIA BORBA.

Plenário Virtual, 28 de abril de 2022 – Sessão Ordinária Virtual nº 6. IVAN LELIS BONILHA Conselheiro Relator FABIO DE SOUZA CAMARGO Presidente.